Existem
muitas histórias sobre a data e a origem da medicina ayurvédica na Índia. No
entanto, para entendermos mais fidedignamente esta ciência, devemos compreender
o verdadeiro significado da palavra sânscrito ayurveda (ou ayurvédica). Traduzindo literalmente, «veda» significa
«conhecimento», «saber», e «ayur» designa «vida», indicando assim «o corpo vivo
ligado ao mundo através dos cinco sentidos», o que mostra a estreita união
entre a vida física e a vida psíquica. Deste modo, ayurveda pode traduzir-se
literalmente como «conhecimento da vida humana» ou «ciência da vida humana».
Para
entender melhor o vasto mundo da ayurvédica, deve-se começar por compreender a
definição de «ayur». De acordo com a antiga escola ayurvédica Charaka, «ayur»
compõe-se de quatro partes essenciais: é uma combinação da mente, do corpo, dos
sentidos e da alma. Geralmente as pessoas têm tendência para se identificar
mais com o corpo físico. Contudo, existe muito mais para além daquilo que os
olhos vêem. Pode-se verificar que por baixo desta nossa estrutura física está a
mente, que não só controla todos os pensamentos como todas as atividades
constantes, caso da respiração, da circulação, da digestão e dos processos de
eliminação. A mente e o corpo atuam em conjunto, de modo a regular todo o
sistema fisiológico. Para que a mente aja de forma apropriada e ajude o corpo
físico, tem de usar as informações recolhidas pelos sentidos. Pode-se comparar
a mente a um computador e os sentidos a uma base de dados. O olfato e o paladar
são dois sentidos importantes que ajudam no processo digestivo. Quando a mente
regista que um determinado alimento está a entrar na região gastrointestinal,
dá ordem ao corpo para agir de acordo, lançando várias enzimas no aparelho
digestivo. No entanto, se sobrecarregarmos as papilas gustativas com um sabor
específico, um sabor doce, por exemplo, percebe-se que a sensibilidade da mente
para identificar esse sabor foi prejudicada e que o corpo vai ter dificuldades
nesse processo. Por isso é importante manter os sentidos a funcionar
corretamente, a fim de permitir que a mente e o corpo atuem de forma adequada,
pois assim a pessoa permanece saudável e alegre.
A
ciência ayurvédica também sabe que para além de existirmos na forma física,
ajudados pela mente e pelos sentidos, existirmos ainda numa forma mais subtil,
chamada alma. Os antigos videntes indianos constataram que existimos sob uma
certa essência energética para além da nossa identidade física. De fato, eles
consideravam a hipótese de podermos realmente ocupar vários corpos através dos
tempos, permanecendo a nossa alma imutável e livre de alterações. O que nos é
dado observar e ilustra bem este conceito é o que se passa no momento da morte
física. Quando chega a altura de um indivíduo abandonar o corpo físico, muitos
dos seus desejos já não estão presentes. À medida que a alma deixa de se
identificar com o corpo, o desejo de comer ou de praticar qualquer atividade
satisfatória começa a não ser importante. De fato, muitas pessoas já
experimentaram a sensação de se sentir «fora do corpo».
Estes são
apenas alguns exemplos que demonstram o quanto precisamos destes quatro
componentes – mente, corpo, sentidos e alma – para viver. É importante
ressaltar que os princípios da medicina ayurvédica são universalmente
aplicáveis a todos aqueles que queiram gozar de uma vida feliz e com saúde.
Esta técnica tem ainda como objetivo o estudo das funções fisiológicas
(digestão, excreções, entre outros.) e das funções mentais (memória, emoções,
entre outras). Os antigos Sutras dizem-nos que o propósito final da ayurvédica
é a realização espiritual. De acordo com este conceito, num momento último, a
alma (jiva) deve unir-se ao ser cósmico ou divino. No entanto, o corpo não
deixa de ser, ele mesmo, uma espécie de doenças ou prisão que impede a alma de
viver livremente, quanto mais ele possua problemas de saúde. A definição do
conceito de ayurvédica é dada num dos maiores livros clássicos da medicina
natural: o Charaka Samhita.
Pode-se dizer então que a ayurvédica
é uma ciência da vida, da prevenção e da longevidade, sendo considerada o
sistema médico holístico mais antigo que se conhece. Apareceu há cerca de 6000
anos, na Índia, e foi apresentada como a medicina do corpo e do espirito, mas é
ainda mais antiga do que se supõe. Antes de surgir sob forma escrita, sabedoria
antiga deste sistema de cura fazia parte da tradição espiritual de Sanatana
Dharma (Religião Universal) ou religião védica. Há indicações, inclusive, de
que ela teoria origem no povo que habitou o desaparecido continente da
Atlântica e sabe-se que Vedavasya, o famoso sábio avatar de Vishnu, passou para
a escrita toda a sabedoria ayurvédica ligada à sapiência espiritual da
auto-realização, num conjunto de textos que compõem a literatura védica e se
designam por Vedas.
Existiram
anteriormente quatro grandes livros de literatura espiritual de incluíam, entre
outros assuntos, saúde, astrologia, espiritualidade, governação, assuntos
militares, poesia, vida e comportamento espiritual. Estes livros são conhecidos
como os quatro Vedas: Rik, Sama, Yajur e Atharva.
O Rik Veda,
também chamado Rig Veda, uma compilação de versos sobre a natureza da
existência, é o mais velho livro em indo-europeu (3000 a.C.). O Rik Veda trata
da cosmogonia intitulada Santhya, que se baseia na ayurvédica e no yoga, e
contém versos sobre a natureza da saúde e da doença, das patologias e dos seus
princípios de tratamento. Neste livro encontram-se explicações sobre os três
elementos (tridoshas) – vata, pitta e kapha -, o uso de ervas para a cura do
espírito e do corpo, e a longevidade.
O Atharva
Veda enumera as oito divisões da ayurvédica: medicina interna, cirurgia da
cabeça e do pescoço, oftalmologia e otorrinolaringologia, cirurgia,
toxicologia, psiquiatria, pediatria, gerontologia ou ciência do
rejuvenescimento e ciência da fertilidade. Os sábios védicos tiraram passagens
das escrituras védicas relativas a ayurveda e compilaram-nas separadamente com
o nome de «medicina ayurvédica». Um destes livros, chamado Atreya Samhita, é a
obra sobre a medicina mais antiga do mundo. Gérard Edde, no seu volume A
Medicina Ayurvédica (São Paulo, 1985), informa-nos também acerca da história
concreta da Ayurveda, que começa com o texto sânscrito Charaka Samhita, escrito
no século II pelo médico Charaka, e que seria fruto do Tratado de Agnisava
diretamente inspirado pela divindade Brahma, um dos três princípios sagrados da Índia, sendo os dois outros Vishnu e
Shiva. A lenda conta que Charaka encarnou entre os humanos pelo fato de se
inquietar com o bem-estar dos seres viventes e terá visto que estes se
encontravam num estado de saúde lastimável devido a inúmeras doenças. Tocado
pela realidade que observou, decidiu nascer numa família de sábios e de
eruditos. Redigiu os trabalhos de Agnisava e difundiu este conhecimento à
humanidade. Algumas autoridades científicas indianas crêem que Charaka seria a
mesma pessoa que o célebre autor de Yogas Sutras, o sábio Patanjali.
Entretanto, o professor Bhagwan Dash, que traduziu para inglês o Charaka
Samhita e foi delegado oficial do Ministério de Saúde de Deli, não partilha
dessa opinião, ao deixar claro que os sábios escreveram tratados de medicina e
de yoga, o que explica a relação entre as duas ciências.
É
importante ter em mente que os brâmanes védicos eram não apenas sacerdotes que
celebravam rituais e cerimónias religiosas como também vaidyas (médicos de
ayurvédica). Nessa época, os médicos e cirurgiões eram ao mesmo tempo sábios,
profetas e homens santos que viam a saúde como parte integrante da vida
espiritual. Acreditava-se que recebiam os seus ensinamentos de ayurvédica
através da meditação e da introspeção. Por outras palavras, a sua sabedoria
sobre os métodos de cura, prevenção, longevidade e cirurgia era fruto da
revelação divina. Cabe salientar que nesse tempo não havia testes ou
experiências feitos em animais. As revelações destes homens até então
transmitidas pela tradição oral forma transcritas depois em vários volumes e
abordavam também aspetos da vida e da espiritualidade.
O que torna
a ayurvédica fascinante é o uso de ervas, alimentos, aromas, pedras, cores,
yoga, mantras, estilo de vida e cirurgia, tudo conjugado num único sistema,
desde tempos muito remotos. Posteriormente, a ayurvédica tornou-se um sistema
de cura bastante difundido e respeitado, sendo, nos dias de hoje, cada vez mais
divulgada pelos seus conhecimentos acerca do ser humano.
Por
volta de 1500 a.C, a ayurvédica subdividiu-se em oito ramos específicos da
medicina: pediatria, ginecologia, obstetrícia, oftalmologia, geriatria,
otorrinolaringologia (ouvidos, nariz e garganta), medicina geral e cirurgia.
Com o andar dos tempos, passaram a existir duas escolas principais de
ayurvédica: Atreya, a escola dos físicos, e Dhanvantari, a escola dos
cirurgiões. Estas duas escolas tornaram a ayurvédica um sistema médica
creditado cientificamente.
Hoje em dia
pessoas de numerosos países frequentam as escolas indianas de ayurvédica para
aprender esta ciência médica e as escrituras religiosas que lhe deram origem.
Estudiosos da China e do Tibete, gregos, romanos, egípcios, afegãos, persas e
outros vieram aprender esta sabedoria completa e lavá-la depois para os seus
próprios países. Os textos ayurvédicos foram traduzidos para árabe e estudados
por físicos com Avicena e Razi Sempion, que ajudaram a formar a medicina
islâmica. A ayurvédica tornou-se depois popular na Europa e contribuiu para
criar a tradição médica europeia. No século XVI, na Europa, Paracelso,
conhecido como o pai da medicina ocidental, praticou e difundiu um sistema de
medicina nela inspirado.
Existem
dois textos que compilaram a tradição ayurvédica e cujos trabalhos chegaram até
hoje: o Charaka Samhita e o Sushruta Samhita. O terceiro maior tratado chama-se
Ashtanga Hridaya Samhita e é uma versão concisa dos anteriores. Deste modo, os
três principais textos ayurvédicos ainda hoje usados são o Charaka Samhita (
uma compilação do mais antigo livro Atreya Samhita), Sushruta Samhita e
Ashtanga Hridaya Samhita. Pressupõe-se que estes livros tenham ais de 1200 anos.
Os seus textos contêm a sabedoria integral e autêntica da medicina ayurvédica,
considerada o único sistema médico completo ainda existente. Outras formas de
medicina de várias culturas, embora paralelas, são apenas partes da informação
original.
Ainda quanto
à Charaka Samhit, uma obra composta por 120 capítulos, 12000 sutras ou
versículos, é considerada, segundo o professor Alex Wayman de Universidade de
Colômbia (EUA), uma das maiores realizações da antiga ciência da Índia.
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